Um homem que não passasse de uma grande
boca seria outro tipo de aleijado às avessas. Sua capacidade de abocanhar e
mastigar lhe traria imensos sofrimentos. Boca por excelência, esse homem
passaria o dia engolindo a tudo e a todos. Sua capacidade devoradora seria
sua ruína. Pior do que a fome recorrente é o desejo insaciável, por mais que
alguém possa consumir.
Outro aleijado às avessas: o homem-olho.
Aquele olho observador, atentíssimo, absorvendo mais imagens do que a mente
humana possa concatenar e compreender. Quanta dor essa visão abrangente
ofereceria ao homem-olho! Quantos motivos de medo!
E o homem-nariz, então?! Quantos cheiros e
aromas perseguiriam essa pobre criatura, "abençoada" pela tremenda
capacidade de possuir, ou melhor, de ser nariz. E sendo
nariz poderoso, tal homem padeceria horrivelmente. Porque seria, sobretudo,
nariz, saberia que nenhuma flor é flor que se cheire, que todo perfume
esconde fedor, que todo fedor prenuncia a dor.Todos somos propensos a desenvolver
algum tipo de deformação às avessas, hipertrofiando algo de nós,
transformando-nos em seres superdotados em um único aspecto, limitados pelo
fato de ultrapassarmos os limites. Posso me tornar um homem-mão. E essa
tamanha habilidade para pegar, fazer, manipular... Será motivo diário para um
cansaço indescritível.
Ou posso me tornar homem-pescoço, homem-joelho,
homem-ventre, homem-ombro — e em todas essas situações, e em todas as demais
possibilidades que nos ocorra imaginar, serei prisioneiro de uma melhoria
localizada, de uma perfeição fragmentada, de um tudo que é nada.O aleijado às avessas tem, na sua força, a
sua fraqueza. Tem, na sua especial competência, a sua maior incompetência.
Educar para a completude consiste em desenvolver,
com o máximo de harmonia possível, as diferentes dimensões de uma pessoa.
Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e
escritor.
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4 de novembro de 2012
Educar para Completude
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